dezembro de 2015

Nos momentos de perigo, o aparelho psíquico mobiliza em poucos segundos enorme quantidade
de lembranças em busca de uma ideia salvadora
Ao recobrar a consciência, muitas pessoas que chegaram ao limiar da
vida contam que estiveram numa espécie de viagem em direção ao
além. Embora os relatos tenham detalhes específicos em cada caso,
alguns elementos tendem a se repetir no discurso de homens e
mulheres de diferentes idades e variadas classes socioculturais. Em geral, aqueles que “retornam à vida”
falam sobre sentimentos de paz, bem-estar e leveza (às vezes, a ponto de sentir que levitam).
Não raro, recordam-se da impressão de abandonar o próprio corpo e ver a si mesmos de uma perspectiva
externa. Para o neurologista suíço Olaf Blanke, que coordena uma equipe de pesquisadores no Hospital
Universitário de Genebra, não há dúvida de que a experiência de quase morte (EQM) e as impressões
“extracorpóreas” estão fundamentadas no cérebro.
um processo gerido pelo sistema nervoso e provocado pela falta de
oxigenação cerebral, que faz com que conteúdos psíquicos surjam de
forma desordenada, como uma espécie de sonho, cuja principal função
é nos acalmar. O cientista enfatiza que as sensações experimentadas em
situações extremas já estão armazenadas em nossa memória e apenas as
acessamos nesse momento.
“Para compreendermos o que acontece na EQM, é preciso entender que
nosso cérebro funciona como um aparato de previsão do futuro, e não há
nada de místico nisso; a todo instante ele se organiza com base em
hipóteses sobre o que está por vir”, afirma o neurofisiologista Detlef Linke,
pesquisador da Universidade de Bonn, na Alemanha. Ele explica que, quando
o aparelho psíquico é confrontado com a ideia de que estamos morrendo,
todo o futuro se reduz a um único momento e, subitamente, não há mais
sequência de acontecimentos a serem planejados. É como se a sequência
temporal se interrompesse e a mente buscasse formas imediatas de lidar com
essa informação angustiante.
Quanto aos círculos de luz ou portais luminosos que aparecem com frequência nas descrições de
EQMs, Linke sugere que eles não estão associados apenas à baixa circulação sanguínea no cérebro,
mas também ao mecanismo de funcionamento da mente, que se empenha em conferir sentido a tudo
o que percebe. Para ele, é possível que uma claridade repentina – comum no ambiente hospitalar, por
exemplo – seja interpretada como a saída de um túnel escuro. E, enquanto os sistemas de
neurotransmissão fundamentais para a sensação de felicidade continuarem ativos, não é difícil que
apareça a impressão de libertação do lugar escuro e o sentimento de êxtase, decorrente de outra
interpretação subjetiva.
Até mesmo a sensação de sair do próprio corpo pode ser explicada fisiologicamente, em sua opinião.
“Somos treinados culturalmente a considerar imagens internas da perspectiva dos próprios olhos,
mas os centros cerebrais trabalham rotineiramente com múltiplas abordagens e têm a capacidade de
elaborar representações de si mesmo com base no olhar externo”, afirma. Quando há necessidade, o
sistema nervoso recorre a esses registros.
Se o fato de encontrarmos alento numa situação que poderia ser marcada apenas pelo medo e
pelo desespero, passando por ela de forma mais suave e acolhedora, se deve a razões puramente
biológicas ou se há algo inexplicável por trás desse processo que nos protege é um mistério.
“De qualquer forma, devemos ser gratos por nosso cérebro providenciar recursos de emergência
para ocasiões de profundo desamparo”, diz Linke.
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