Perversão é um termo
usado para designar o desvio, por parte de um indivíduo ou grupo, de qualquer
dos comportamentos humanos considerados normais e/ou ortodoxos para um
determinado grupo
social. Os conceitos de normalidade e anormalidade, no entanto, variam no tempo e no espaço, em função de
várias circunstâncias.
A perversão distingue-se da neurose
e da psicose como modo de funcionamento e organização defensiva do
aparelho psíquico. O termo é também frequentemente utilizado com o sentido
específico de perversão sexual, ou desvio sexual.
Índice
- 1 Definição
- 2 Estrutura Psíquica e Comportamental
- 3 Histórico do conceito
- 4 Características comportamentais
- 5 Características psicosomáticas
- 6 Bibliografia
Definição
O significado original per vertio, por sua vez
derivado de per vertere, remete à noção de "pôr de lado", ou
"pôr-se à parte".
Nesse contexto, qualquer conceito pode ser
"pervertido". Sejam os conceitos mais abstratos, como os de
conservação, de nutrição, de reprodução, etc, como os conceitos mais concretos. Pode-se dizer que
uma versão moderna de uma obra clássica, por exemplo Romeu e Julieta, é uma perversão da história original.
Historicamente, perversões de conceitos morais
foram atribuídas a perturbações de ordem psíquica, que dariam origem a tendências afetivas
e morais contrárias às do ambiente social do pervertido (FOUCAULT, 1984).
Para essa visão, a perversão poder-se-ia constituir em uma
única anomalia psíquica do indivíduo, ou fazer-se acompanhar por déficit
intelectual, de instabilidade emocional, de doença mental intercorrente, etc. O comportamente do pervertido seria,
então, determinado pelo seu nível intelectual: enquanto as perversões dos com o
"nível intelectual inferior" seriam impulsivas, brutais, praticadas
sem rebuço, as dos "indivíduos de bom nível intelectual" seriam quase
sempre astuciosas, dissimuladas, encobertas. Entre os atos mais frequentemente
apontados como perversões, por se desviarem de forma mais grave do
comportamento tido como normal do ponto de vista social, são atos tidos como desvios
sexuais: sadismo, masoquismo, pedofilia, exibicionismo, voyeurismo, etc.
Sabe-se que a masturbação também já foi considerada uma modalidade de perversão
sexual no passado (FREUD, 1904; FOUCAULT, 1984).
Na medicina moderna quando o comportamento individual de excitação sexual
somente se dá em resposta a objetos ou situações diferentes das tidas como
normais, e quando esse comportamento interfere na capacidade do indivíduo de
ter relações
sexuais e/ou afetivas tidas como normais, dá-se o
nome a essa disfunção de parafilia (KERNBERG, 1998).
Estrutura Psíquica e Comportamental
Na Psicanálise, perverso é toda pessoa que possui um modo de
funcionamento psíquico baseado numa estrutura perversa.
Histórico do conceito
Uma das primeiras aparições sobre o quadro de perversão na
literatura especializada surge em 1806 com o psiquiatra Phillipe
Pinel sob o conceito de mania sem delírio.
Este nome designava uma síndrome detectada pelos médicos medievais sob o rótulo
de loucura moral. Neste diagnóstico estavam inscritos atos impulsivos e
repetidos de destruição e mentiras patogênicas com a preservação da razão.
Foi na edição de Psychopathia Sexualis, feita pelo
médico Krafft
Eding em 1886, que o termo perversão sexual
surge nos diagnósticos médicos. Ebing faz uma longa classificação das perversões
sexuais incluindo termos até hoje utilizados como o sadismo, o masoquismo, o
fetichismo e a "sexualidade antipática" (referência ao que chamamos
hoje de homossexualidade).
O conceito psicanalítico de perverso, na
psicanálise, tem origem na obra de Freud,
nos Três Ensaios Sobre a Teoria de Sexualidade, publicado em 1905. Nesta
obra inicial Freud trata da perversão como desvio da conduta sexual que não
visa a genitalidade. Toda criança, ao se autosatisfazer sexualmente, pode ser
considerada perversa. Inicialmente o termo era restrito, no adulto, ao
comportamento homossexual, sado-masoquista, fetichista, entre outras
modalidades de cópula que não se orientavam pela penetração peniano-vaginal.
Com o passar dos anos Freud começa a perceber que a escolha
narcísica de objeto, ou seja, a escolha homossexual de objeto feita de maneira
recorrente pelos homossexuais, pedófilos e fetichistas denunciavam um modo de
funcionamento psíquico e discursivo diferente das neuroses e das psicoses. Na Introdução
ao Narcisismo, ao discorrer sobre seus estudos de patologia do "amor
próprio", começou a ficar evidente a diferença entre as estruturas
tipicamente narcisistas e os neuróticos e psicóticos.
Em 1919 Freud relaciona perversão e édipo, nos textos Uma
criança é espancada: Contribuição ao estudo da origem das perversões, A
dissolução do complexo de édipo, e A organização genital infantil: uma
interpolação na teoria sexualidade. Nestes textos ainda não há uma
indicação clara de um mecanismo específico que indique o caminho da perversão
como uma estrutura. Aspectos da sexualidade perverso-polimorfa podiam estar
presentes em qualquer estrutura, do doente ao normal, e por isso não poderia se
definir por si só. O conceito de recusa aparece como um mecanismo normal da
construção da sexualidade, que posteriormente é superado, a castração aceita e
os desejos incestuosos, juntamente com os desejos de completude sucumbem ao
recalque na "normalidade".
No texto Fetichismo de 1927 a recusa passa a ser
entendida como um elemento permanente que, associado à cisão do ego (Spaltung),
se tornam os mecanismos de defesa que marcam a estrutura perversa.
Em seu pequeno trabalho dedicado ao fetichismo Freud propõe
que a chave desta forma de perversão se encontra justamente em uma duplicidade
de atitudes diante da castração da figura materna: reconhecimento e repúdio a
um só tempo. Ora, isto só é possível à custa de um processo dissociativo que,
como se torna evidente, incide no eu. Não se trata de uma degeneração ou
incapacidade constitucional de síntese, mas de um processo de defesa.
A patologia neurótica se caracteriza pelo recalque
(Verdrängung) do desejo durante o Complexo de Édipo. A somatização de conversão histérica, por exemplo, esta
ligada a um desejo sexual que não foi satisfeito pelas vias normais.
Na patologia psicótica há uma rejeição (Verwergung) da
realidade e do Complexo de Édipo. Os delírios, alucinações e depressões são uma
tentativa frustrada de dar sentido e lógica a uma visão de mundo particular.
Já na patologia perversa o que ocorre é recusa
(Verleugnung) da Castração Edipiana. O perverso não aceita ser submetido às
leis paternas e, em consequência, as leis e normas sociais. Ele não rejeita a
realidade e nem recalca os seus desejos. Ele escolhe se manter excluído do
Complexo de Édipo e da alteridade e passa a satisfazer sua libido sexual consigo mesmos (narcisismo). Este é o motivo de todo o perverso ter uma escolha
homossexual de objeto, sendo representado por ele mesmo em alguém do mesmo sexo
ou do sexo oposto.
Em 1941 o termo psicopatia surge pela primeira vez na obra de Hervey
Cleckley, A Máscara da Sanidade, sendo
considerada uma das manifestações mais extremas da personalidade perversa. A
psicopatia foi descrita através da excessiva manifestação de egocentrismo,
incapacidade para o amor não narcisico, falta de remorso, vergonha ou culpa,
tendência à mentira e à insinceridade, vida sexual impessoal, charme envolvente,
mas superficial, boa capacidade retórica, inclinação para se fazer de vítima e
boa capacidade cognitiva sem comprometimento com a percepção da realidade.
Foi Jaques
Lacan, no seminário de 1956, que transformou a
perversão como opção de recusa da castração e da lei como estrutura psíquica
singular a neurose e a psicose.
Uma das principais contribuições para a psicanálise
neofreudiana surge com Masud
Khan em 1981. Ele analisa a perversão em termos
de relação e não mais de pulsões. Seu trabalho trata da "relação
perversa", em que o sujeito é alienado de si mesmo e do objeto de seu
desejo. Ele adaptou o conceito marxista de alienação para o quadro de uma
psicanálise fenomenológica, observando que tanto Freud quanto Marx
marcam simultaneamente o pensamento ocidental ao revelar as alienações internas
e externas que o homem faz de si mesmo. No caso da perversão a alienação é mais
séria, pois ele se relaciona com os objetos como se fossem uma "colagem
interna" que lhe seria imposta, deixando o "outro" enquanto ser
num estado de ausência. Essa seria a origem dos sintomas e do sofrimento do
perverso. Ele também defende a ideia de que o perverso tem uma organização
identitária e defensiva baseada num falso Self, ou seja, os perversos
não sentem ou manifestam seus próprios desejos e necessidades. Uma mãe
insuficientemente boa não respeitaria os tempos, vontades e necessidades do
filho nos primeiros anos de vida. Ao limitar os gestos essenciais da criança
para impor as próprias necessidades de tempo, comida, espaço, valores religiosos
e projetos de vida, por exemplo, esta mãe coibiu a manifestação dos processos e
experiências de subjetividade da criança (seu verdadeiro Self). Não
podendo experimentar o mundo por si mesmo a criança passa a criar objetos
idealizados para si, como a mãe por exemplo, e submeter seus gestos a vontade
de outros (surgindo o falso Self defensivo contra os próprios desejos).
O perverso, na infância, é o retrato dos desejos inconscientes desta mãe e por
isso ele já entraria no Complexo de Édipo sendo perverso e pré-disposto a não
aceitar a Lei paterna. A descrição dos processos perversos feita por Masud Khan
questiona a posição de Freud e Lacan quanto ao surgimento da perversão durante
o Complexo de Édipo. Outra posição contrária é que, para Khan, o perverso não
busca "fazer o que ele deseja" sem se preocupar com os limites, como
ensinam Freud e Lacan. Para este psicanalista os perversos, por serem constituídos
de um falso Self, não podem "desejar". Só pode desejar algo
quem sabe o que é e o que quer, ou seja, que tem um Self. O perverso se
move pela inveja, ou seja, pelos desejos de outras pessoas. Os próprios desejos
primevos recalcados pelo falso Self perturbam e os fazem essencialmente
infelizes.
Características comportamentais
Segundo os diversos estudiosos da perversão alguns
comportamentos são predominantes desta estrutura patológica.
· Sedução: Ao contrário da histérica que seduz por
impulso, por uma necessidade inconsciente, o perverso seduz com intenção de
manipular e controlar as pessoas ao seu redor. Através da incitação sexual, do
choro, ou da sedução de ordem financeira, entre outras, o perverso usa suas
vítimas no seu leque de relacionamentos. O perverso sempre tira proveito da
sedução.
·
Vampirismo: Os perversos sugam recursos e energias de
outras pessoas para se manter existindo. É muito comum que um perverso, em vida
adulta produtiva, continue recebendo rendimento de pais e parentes. Um perverso
também pode tirar sua fonte de rendimento aplicando golpes no Governo
(aposentadoria, por exemplo), ou criando situações onde possam receber
indenizações de outras pessoas ou empresas. É comum, em mulheres, ficarem
grávidas para só viverem de pensão. Os perversos são pouco afeitos ao trabalho
próprio como meio de própria subsistência.
·
Escolha
narcísica de objeto: Um perverso procura
estabelecer relações mais intimas com aqueles que se assemelham com ele ou por
quem ele tem inveja (ou seja, quer ser como). Sua escolha homossexual de objeto
o leva a ter amor somente por si mesmo. Quase nunca leva em consideração os
sentimentos e necessidades do outro. A escolha sexual, apesar de ser narcísica,
não esta limitada ao homossexualismo. Há perversos que mantém relações
sexualmente heterossexuais, mas psiquicamente, homossexuais. A opção
homossexual também não se restringe a estrutura perversa podendo também
aparecer nas psicoses, como bem observou Freud, Melanie Klein, Masud Khan e Lacan.
·
Mentira: O perverso é um mentiroso patológico. Ele sabe
mentir muito bem e sabe convencer as pessoas de que está certo. Utiliza de
retórica sofística, demagogia e apelo emocional na mentira com o intuito de
conseguir o que quer. Nas neuroses histéricas e na personalidade borderline também existe o fator mentira. A diferença é
que o perverso a utiliza para tirar benefícios, lucrar e pode usar este recurso
mesmo que isso traga prejuízo para outras pessoas. A teatralidade e a falta de
constrangimento são marcas bem características.
·
Problemas
com a autoridade/moral/lei:
Lacan bem observa que um dos sintomas que se propagam após a castração dos
desejos por parte da autoridade (pai), o perverso sente um imenso prazer em
desafiar regras morais e legais. Eles se sentem desconfortáveis quando estão
sob a autoridade de um chefe, parceiro, juiz, policial ou de qualquer outra
função normativa. Quando são obrigados a aceitar uma ordem fazem o serviço mal
feito ou sabotam o trabalho. Os perversos possuem um sistema de moral e de
justiça muito peculiar baseado em sua centralidade narcisista.
Características psicossomáticas
Muitos autores como Masud
Khan e Otto
Kernberg perceberam, ao longo de seus estudos com
pacientes perversos, alguns sintomas recorrentes de saúde. Estes problemas não
se restringiam somente a doenças sexualmente transmissíveis, conscientemente
atribuído a promiscuidade sexual e inconscientemente relacionado com a negação
de gerar ou dar uma vida para outra pessoa. Problemas relativos ao aparelho
procriador são constantemente relatados por estes pacientes.
Para os pósreichianos como Federico Navarro os problemas
nos órgãos reprodutores são produzidos pelo fluxo de energia libidinal que, em
relação com o sistema psíquico, produz sintomas que comprometem órgãos
relacionados a fertilidade. A rejeição de se entregar verdadeiramente para uma
pessoa, de ser solidário ou de ajudar o outro sem esperar um retorno pessoal
causam um bloqueio energético específico nos níveis 3 e 7. Com exceção dos
perversos que se utilizam do aparelho reprodutor e da capacidade de gerar
filhos no intuito de explorar tal condição, uma boa parcela dos perversos
retratam alguns problemas genitais específicos desde a adolescência. Apesar da
orientação reichiana estas observações são compartilhadas por algumas linhas da
psicologia, psiquiatria e psicanálise.
·
Homem: Alguns homens de estrutura perversa apresentam
constantes feridas no pênis. Também apresentam uma contagem baixa de esperma
desde a adolescência. Geralmente apresentam desajustes hormonais que
comprometem o crescimento de pelôs em muitas partes do corpo como no toráx,
sobrancelha, costas e genitais.
·
Mulher: Algumas mulheres de estrutura perversa relatam
pequenas feridas ou manchas nos lábios genitais e vulvas. Desde a adolescência
possuem problemas com o útero que comprometem seriamente a capacidade
reprodutiva. É comum problemas hormonais que atrapalhem a ovulação e a possibilidade
do surgimento de cistos. Os desajustes somáticos do aparelho reprodutor
produzidos pela perversão podem, entre outras coisas, comprometer a saúde de um
possível feto gerado.
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segunda-feira, 23 de agosto de 2010, 09:47
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