
junho de 2016, Christian Ingo Lenz Dunker
SHUTTERSTOCK
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Nossa
cultura vem se tornando cada vez mais avaliativa. Métricas de resultados,
parâmetros de eficiência e cálculos de risco são parte deste novo mundo que
trabalha, deseja e ama segundo a gramática do “projeto-resultado-avaliação”.
Esperamos que a avaliação seja comparativa, tangível e mensurável. E que capte
a transformação no tempo, na relação com outros processos e principalmente na
relação consigo mesmo. Inversamente, o que não apresenta credenciais ou
certificações avaliativas torna-se suspeito. Neste contexto, como saber
se uma psicoterapia é eficaz? Como ter a confirmação de que seria mais indicada
para alguém, nesta ou aquela condição? Como escapar desse critério
aparentemente tão nebuloso que é o julgamento mais íntimo, qualitativo e
subjetivo de cada um?
A
capacidade de formular juízos qualitativos com precisão e confiança talvez seja
um dos objetivos mais interessantes das psicoterapias. Afinal, o que há de mais
complexo e qualitativo é a própria vida que cada paciente é convidado a
apreciar, dimensionar e questionar quando ingressa em uma psicoterapia ou uma
psicanálise. O problema é que muitas patologias atacam justamente nossa
faculdade de julgar: o paranoico atribui tudo ao outro, o melancólico tudo a
si. O histérico não se cansa de perguntar qual seu lugar junto ao desejo do
Outro, enquanto o obsessivo quer saber como ele mesmo reduzirá o desejo do
Outro em uma ordem.
Muitas
terapias trabalham com uma espécie de autoavaliação constante, incluindo ao
final de cada sessão uma ponderação sobre o ocorrido. Este princípio elementar
de qualquer acompanhamento pode ser, senão inócuo, iatrogênico, ou seja, trazer
efeitos danosos causados pela imperícia na execução ou por riscos potenciais
que todo tratamento carrega em si. E inócuo porque a representação que
fazemos de nossa vida é frequentemente enganosa. Ela é uma fotografia tirada de
certo ângulo, sob uma dada perspectiva, que facilmente se altera se mudamos a
posição da câmera. Iatrogênico porque o mais simples feedback sobre o andamento dos trabalhos pode
ser venenoso e contraproducente para um depressivo que já sofre dia e noite com
suas autoavaliações e autocríticas intermináveis. Sem contar a disparidade das
ambições humanas: um deseja a felicidade, outro se contenta em sofrer um pouco menos.
Um demanda tornar-se super-herói; outro, deixar de ser o vilão de sua própria
existência.
A
partir de 2008 a pesquisa empírica começou a tomar consciência da dificuldade
de avaliação das psicoterapias, ainda que os gestores em saúde não tenham se apercebido
disto. O otimismo com as terapias breves e com as novas medicações,
particularmente as antidepressivas, começou a diminuir. Descobriu-se que seus
índices de eficácia eram semelhantes ao do efeito placebo. Ao mesmo tempo, os
dados sobre a eficácia e eficiência da psicanálise começaram a espantar os
pesquisadores. Métodos psicanalíticos, redefinidos operacionalmente como
psicoterapia psicodinâmica de longo prazo, ou seja, mais de 53 sessões, têm se
mostrado mais eficazes que todas as outras formas de psicoterapia conhecidas. E
são tão eficazes para adultos como para crianças, incluindo aí o autismo. Seu
efeito é mais duradouro e aumenta com o passar do tempo, inclusive depois do
fim do tratamento, para quase todos os tipos de patologia.
Ao que
tudo indica, o “princípio ativo” responsável pela eficácia nem sempre
corresponde à teoria que o terapeuta adota. Uma combinação de parâmetros de
sucesso das 15 formas de terapia mais conhecidas constatou por volta de 60% de
eficiência – percentual considerado altíssimo quando se o compara com outros
tratamentos em geral. Contudo, fatores como a abordagem psicoterápica, o tempo
de formação específica, a experiência clínica, a idade e até o gênero do
terapeuta, assim como grupo diagnóstico do paciente, curiosamente não são
preditivos para melhores resultados clínicos. O ponto-chave da potência de cura
parece ser “aquele terapeuta”, “aquele paciente” e “aquela relação”.
Tanto
a expectativa de remoção de sintomas quanto o aumento na qualidade de vida
mudam ao logo do tratamento. No caso da psicanálise não se ambiciona apenas
resolver o que o sujeito vê como problema, naquele momento, mas alterar as
regras do jogo de sua vida, incluindo sua teoria da transformação e suas
práticas de avaliação. A dificuldade de avaliação também incide do lado do
clínico. Pesquisas sugerem que os terapeutas têm dificuldade para reconhecer
que seu paciente está piorando ou não está melhorando. Se o fator decisivo da
cura é o caráter idiossincrático dos envolvidos na relação terapêutica, os
dados de eficácia da psicanálise podem estar refletindo apenas o critério
metodológico que define uma psicanálise: relação extensa, constante, rica e
cheia de transformações. Voltamos ao ponto de partida: a qualidade se avalia
qualitativamente.
Este
artigo foi publicado originalmente na edição de maio de Mente e Cérebro,
disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/1TzlwUW
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