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Estudos mais recentes provaram que alguns tons
específicos emanados pela tela de aparelhos eletrônicos deixam as pessoas
mais alertas quando deveriam começar a se sentir sonolentas
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fevereiro
de 2017
Ferris
Jabr
SHUTTERSTOCK
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Há uma década a
desenvolvedora de software Lorna Herf, de Los Angeles, decidiu testar seu
talento em pintura a óleo. Ela e o marido, Michael, também programador de
computadores, instalaram claras lâmpadas fluorescentes no mezanino do
apartamento para que a moça pudesse pintar à noite e ainda ter uma ideia
precisa de como as cores na tela pareceriam durante o dia. Uma vez, tarde da
noite, ela desceu para a sala onde computadores estavam ligados. Já mais
acostumada às diferenças da iluminação, reparou como as luzes intensas dos
equipamentos entravam em choque com a suavidade dos bulbos incandescentes que
os cercavam. Ela lembra ter pensado que as telas eletrônicas pareciam “pequenas
janelas de luz artificial do dia”, comprometendo o ambiente aconchegante da sala.
O casal, versado em
tecnologia, projetou então uma solução criativa para minimizar a discrepância.
Eles escreveram alguns códigos para mudar o número e o comprimento das ondas
dos fótons emitidas pelas telas dos computadores à medida que o dia avançava. O
objetivo era imitar o máximo possível as mudanças naturais no ambiente da
iluminação, transitando da luz clara e azulada da manhã, passando pelo efeito
do sol da tarde para chegar à luminosidade fraca e alaranjada do entardecer.
Primeiro eles pretendiam
apenas harmonizar o esquema de iluminação da casa. Mas logo começaram a
suspeitar que seu novo aplicativo, que chamaram de f.lux, pudesse também trazer
benefícios à saúde. “Depois de usá-lo por algum tempo, começamos a notar que
parecia mais fácil desacelerar à noite e dormir depois que os aparelhos
eletrônicos eram desligados”, relembra Lorna. Não foram os únicos a apreciar o
efeito relaxante. Desde que casal lançou o programa gratuito em 2009, o f.lux
foi baixado mais de 20 milhões de vezes.
Ao seguirem seu
gosto estético, os Herf toparam com uma curiosidade sobre como o corpo controla
a forma como dormimos. Pesquisadores sabiam há várias décadas que luzes fortes
de qualquer tipo podem suprimir a melatonina, o hormônio que o cérebro produz à
noite para induzir o sono. Mas estudos mais recentes mostram que luzes azuis
interferem na produção de melatonina com mais força que qualquer outro
comprimento de onda visível, potencialmente deixando as pessoas mais alertas
quando deveriam começar a se sentir sonolentas.
E acontece que
smartphones, laptops e todos os tipos de telas eletrônicas se tornaram mais
brilhantes e azuis nas duas últimas décadas por causa da adição das poderosas
lâmpadas de LED (Diodo Emissor de Luz) azul. Durante o dia, quando a luz azul
já é naturalmente abundante, uma pequena exposição extra às telas eletrônicas
não faz muita diferença no cérebro de ninguém. O problema é que cada vez mais
as pessoas mais encarando as telas brilhantes noite adentro – o que compromete
significativamente a qualidade do sono de milhões de pessoas.
Quase todos os
entrevistados numa pesquisa da Fundação Nacional do Sono em 2011, por exemplo,
admitiram que usavam televisão, computador, celular ou aparelho semelhante uma
hora antes de deitar por algumas noites na semana. Em 2014 a mesma organização
apurou que 89% dos adultos e 75% das crianças tinham pelo menos um aparelho
eletrônico no quarto, e um número significativo deles enviava ou respondia
textos após terem caído inicialmente no sono. Motivados por essa pesquisa,
engenheiros e programadores de computador estão pesquisando possíveis soluções
para evitar que uma população já carente de boas noites de descanso passe ainda
mais tempo sem dormir por causa de seus eletrônicos. As soluções vão desde óculos
coloridos até sistemas de iluminação naturalistas para casas e escritórios.
“Seria perfeito se
as pessoas pudessem descobrir formas de simular as mudanças da luz solar ao
longo do dia”, diz Christian Cajochen, chefe do Centro de Cronobiologia da
Universidade da Basileia, na Suíça. “O ideal talvez fosse ter no interior das
casas a mesma luz que há no exterior.” No entanto, falta comprovar a eficácia
desses recursos, especialmente comparados com o simples desligar dos aparelhos.
NO PÔR DO SOL
A luz que emana dos eletrônicos nem sempre foi um entrave ao sono reparador. O atual estado das coisas pode remontar à invenção, em 1992, no Japão, do LED azul superbrilhante. Ao combinarem o novo LED azul com os mais antigos, verde e vermelho, ou revesti-lo com químicas que reemitem outros comprimentos de ondas, os fabricantes de tecnologia conseguiram gerar o espectro completo de luz LED branca pela primeira vez. Como LEDs consomem muito menos energia que seus predecessores fluorescentes, eles logo se tornaram onipresentes em telas de tevês, computadores, tablets e alguns leitores eletrônicos, inundando como nunca as casas e escritórios com luzes azuis muito mais claras.
Pesquisadores só
começaram a reunir evidências concretas de que os LEDs azuis podem atrapalhar o
sono há cerca de 15 anos, mas já tinham uma boa ideia sobre seu provável mecanismo
há mais tempo. Cientistas descobriram nos anos 1970 que uma pequena região do
cérebro chamada núcleo supraquiasmático ajuda a controlar o ciclo de sono, a
vigília, a temperatura e outras flutuações diárias do corpo. Estudos mostraram
que o núcleo supraquiasmático impele a glândula pineal do cérebro a produzir
melatonina toda noite.
Neste século,
biólogos descobriram como esse processo sinalizador acontece. O elo que faltava
era um antes ignorado tipo de célula sensível à luz no olho humano, diferente
das hastes e cones que são responsáveis, respectivamente, pela visão noturna e
de cor. Esse terceiro fotorreceptor monitora o volume de luz azul no ambiente e
o transmite ao núcleo supraquiasmático. Assim, quando há muita luz azul (como
quando há sol), esse fotorreceptor faz o núcleo supraquiasmático dizer à
glândula pineal para não produzir muita melatonina e, dessa forma, nós ficamos
despertos. Quando o sol começa a se pôr, no entanto, a quantidade de luz azul
diminui, causando um aumento nos níveis de melatonina que nos ajuda a dormir.
Entre os estudos
que oferecem mais evidências está uma pesquisa de 2011 feita por Cajochen e
seus colegas na Universidade da Basileia. Nesse trabalho, voluntários expostos
a um computador iluminado com LED por cinco horas à noite produziram menos
melatonina, se sentiram menos cansados e se saíram melhor em testes de atenção
que aqueles que ficaram diante de telas com luz fluorescente do mesmo tamanho e
luminosidade. De forma similar, para participantes de um estudo de 2013
liderado por Mariana Figueiro, pesquisadora do Instituto Politécnico
Rensselaer, foi suficiente interagir com um iPad por apenas duas horas à noite
para impedir o aumento de melatonina típico do anoitecer. E, em um experimento
de duas semanas no Brigham and Women’s Hospital, em Boston, publicado em 2014,
voluntários que leram em um iPad por quatro horas antes de deitar relataram que
sentiram menos sono, levaram em média dez minutos a mais para adormecer e
dormiram menos profundamente que os que leram livros de papel à noite. Cajochen
e outros cientistas também demonstraram que esses efeitos são especialmente
pronunciados em adolescentes, por razões ainda ignoradas.
FORA DO LABORATÓRIO
Diante do acúmulo de evidências, cientistas começaram a estudar soluções. Vários estudos mostraram que usar óculos com lentes alaranjadas de plástico que filtram a luz azul dos eletrônicos ajuda a evitar a supressão de melatonina. Os óculos estão disponíveis nos Estados Unidos por preços que vão de US$ 8 a até US$ 100. Mais caro é o sistema de iluminação dinâmico, que promete recriar “o amplo espectro da luz natural do dia num espaço interno” e sai por centenas a milhares de dólares, segundo o tamanho da residência ou escritório.
As medidas mais
acessíveis ainda são programas de computador como o f.lux. Em março de 2016, a
Apple incluiu uma função chamada Night Shift para iPhone e iPad, que se
assemelha ao f.lux na mudança da luz emitida pela tela “para a ponta quente do
espectro” por volta da hora dopôr dosol. Até agora nenhum pesquisador testou o
f.lux ou o Night Shift em um estudo controlado, mas Figueiro está planejando
realizar esse experimento e Michael Herf conta que está colaborando com
cientistas da universidade para examinar os efeitos do f.lux em ambientes cotidianos
fora do laboratório. “Acho que o f.lux é ainda uma possibilidade que ajudará
bastante os noctívagos, mas ainda precisamos fundamentar os casos com dados”,
afirma Lorna Herf.
Pesquisadores
ressaltam, no entanto, que eliminar a luz azul não é uma solução segura. Mesmo
telas com luzes fracas, alaranjadas, tornam tentadoramente fácil ficar acordado
e ler ou jogar games à noite, mantendo o cérebro alerta quando deveria
desacelerar. “É como se você ficasse no escuro total, mas tomasse café”,
explica Figueiro. “Vai ter algum efeito.”
Ou seja, em última
análise, a solução mais garantida é a abstinência de eletrônico, pelo menos por
algumas horas. Desligar todas as telas e luzes antes de deitar pode ajudar
muito na qualidade de vida e trazer benefícios para a saúde, já que há um fato
do qual não podemos nos esquivar: humanos evoluíram para acordar e dormir com o
sol. “Antes de termos toda essa tecnologia, antes da eletricidade e da
iluminação artificial, ficávamos acordados durante a luz do dia, fazíamos um pouco
de fogo ao entardecer e então dormíamos”, diz Debra Skene, cronobióloga da
Universidade de Surrey, na Inglaterra. Luzes artificiais têm representado
grandes benefícios há séculos. Mas há momentos, especialmente no fim do dia, em
que essa coisa boa pode ser excessiva.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição de janeiro de Mente
e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/2ifJfyD


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